13 Agosto 2020

O Ministério da Economia publicou PORTARIA Nº 17.830, DE 27 DE JULHO DE 2020, que autorizou a realização de concurso público para a contratação de servidores temporários para atuarem na transformação digital de governo. Foram autorizadas 350 vagas para temporários, contudo a Portaria não deixou claro em que área e o que exatamente esses servidores temporários irão fazer.

Em reunião com o Secretário de Governo Digital, Luis Felipe Salin Monteiro, a Diretoria da  ANATI foi informada que esses profissionais deverão atuar em atividades operacionais e específicas da transformação digital de governo. Não foram dados maiores detalhes do processo, pois informações como atribuições, área de atuação e salários só seriam publicados no Edital do concurso.

A ANATI se posicionou contrária a realização do certame, devido às seguintes perspectivas:

  • A transformação digital, como realizada nos mais diferentes países e governos que são referência em “governo digital”, é um processo complexo, estruturado, bem definido, que persevera através de um trabalho continuado, com ciclo contínuo de ações. As políticas públicas, executadas pelos planejamentos e programas de Governo já nascem digitais, para que possam ser entregues à uma população digital. Ou seja, qualquer serviço público lançado à sociedade já deve nascer utilizando os recursos de TIC e deve ser permitido aos cidadãos acessá-los pela palma da mão via celular, tablet, smartwatch enfim diferentes dispositivos móveis. Devem ainda ser considerados aqueles serviços públicos que ainda não foram digitalizados, que exigem atuação plena e grande esforço de profissionais capacitados para sua execução. Cabe destacar ainda que, existe um legado de diferentes serviços que ainda precisam ser digitalizados e os serviços que já foram digitalizados precisam ser melhorados continuamente, para se adaptarem às novas tecnologias e necessidades da sociedade. A contratação de temporários, segundo previsto na própria portaria, visa: “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”, contudo, a digitalização dos serviços públicos, não é temporária. A transformação digital do governo é serviço contínuo, e contratar profissional temporário sem prover força de trabalho contínua para sustentar e evoluir os serviços é um erro estratégico abissal, jamais cometido pelos países referência em governo digital.
  • Hoje há um déficit de aproximadamente 50% na força de trabalho do cargo de Analista em TI (ATI). Os ATI são os responsáveis pelas entregas feitas na transformação digital até hoje, e em todos os discursos e resultados positivos difundidos pelo governo na digitalização do serviço público, ocorrera a atuação de ATIs para sua completude, seja na Gestão, seja na operação, seja no planejamento, seja no apoio, seja no gerenciamento de pessoas, processos, negócio ou até mesmo no acompanhamento e fiscalização da execução do trabalho de terceiros. Os voluptuosos números que são divulgados pelo Governo Federal estão sendo entregue se sustentados pelo trabalho dos ATI’s. Entretanto a dura realidade do cargo hoje é uma vacância de 389 cargos de ATI. Hoje estão em exercício de suas atribuições no Governo Federal por volta de 465 ATI’s, descentralizados nos mais diversos órgãos do Executivo e do SISP (aproximadamente 227 órgãos integrantes), incluindo todos os ministérios, com a gestão de praticamente 5 bilhões de reais em contratos de TI. Os ATI’s ocupam ainda os mais diferentes cargos de Direção e Assessoramento gerindo e coordenando as equipes de TIC do Governo Federal, pela sua própria natureza do cargo, a quem compete gerir e coordenar equipes. Então, por que contratar 350 servidores temporários ao invés de investir em mais 350 vagas para os cargos em vacância de ATI, que certamente entregarão de forma contínua e efetiva os resultados para a sociedade?
  • Vale frisar que hoje as necessidades dos órgãos não são somente TRANSFORMAÇÃO DIGITAL, existem várias demandas de TIC, inúmeras políticas públicas que necessitam de tecnologia, temos as demandas do dia a dia e aproximadamente 170 ofícios solicitando ao Ministério da Economia – ATI’s com um número muito maior que esse. Há ofícios solicitando 10, a 20 ATI”s, pela necessidade do órgão. Porém, entenda a TRANSFORMAÇÃO DIGITAL é crucial, é um instrumento importantíssimo para a retomada da economia, desburocratização do estado, e é com a gestão e coordenação desse profissional que poderão ser providas as demandas TIC do dia a dia, a Transformação Digital e a manutenção do conhecimento e do envolvimento legítimo das políticas públicas dos órgãos.
  • Há ainda que se considerar que os profissionais temporários, na maneira que vem sendo pensado pelo Ministério da Economia, irá atrair apenas pessoas sem experiência, com um portfólio básico, de recém-formado, poisa remuneração e benefícios ofertados para o cargo não são suficientes para “angariar verdadeiros” ESPECIALISTAS EM TECNOLOGIA como o governo precisa. Hoje esses especialistas ganham o dobro ou mais na iniciativa privada (inicialmente algo em torno de 17k + benefícios), outro complicador é que trabalhar na administração pública não é a mesma coisa que trabalhar na iniciativa privada. Um ato administrativo deve observar diferentes exigências legais e administrativas de governo, e se o profissional incorrer em erros pode causar prejuízos imensuráveis na administração pública. Além é claro ao prejuízo na imagem institucional do governo perante uma política pública.
  • O peso da responsabilidade é alto na ADM Pública. Se um profissional comente um erro na iniciativa privada, o máximo que pode acontecer é uma demissão por justa causa. Já na administração pública, um erro pode gerar prejuízos incomensuráveis à sociedade como um todo e o servidor poderá responder na justiça em sua esfera administrativa e penal. Ser servidor público e gestor de TIC traz à tona grande responsabilidade com o ente público. Cada ação, cada assinatura, cada autorização de pagamento deve observar um oceano de regramentos jurídicos e administrativos. A curva de aprendizagem para que um servidor consiga atuar com propriedade e tomar suas decisões de maneira segura e acertada é de pelo menos 01 ano. Tanto é, que todos os ATI’s, passam por pelo menos 4 meses de treinamento na Escola Nacional da Administração Pública – ENAP, para se capacitarem, mesmo após assumir o cargo de ATI. Mesmo aqueles que já vem com bagagem referente à contratos, tem como requisito realizar esse programa de capacitação antes de assumir contratos, algo exigido ao cargo. Ou seja, aquele profissional de que trata o concurso de temporário em voga, não irá agregar valor empírico e entregas por um período de pelo menos um ano, e fatalmente, após mais três anos de “contrato” deixará a administração pública, isso quando não sai antes, como a grande maioria. Portanto, conclui-se que por mais que um servidor efetivo também passe por essa curva de conhecimento quando ingressa no serviço público, a expectativa é de que o servidor efetivo fique por um longo tempo na administração pública, absorvendo o conhecimento e sendo mais efetivo e eficaz no exercício de suas atribuições.
  • A inexperiência desse servidor temporário também irá impactar nas atividades dos servidores efetivos, principalmente nos ATI’s. Considerando que os ATI terão que auxiliar e orientar mais intensamente esses novos profissionais e concorrerão a atenção com os serviços que já estão em execução. Esses profissionais serão contratados para atuarem “descentralizados” nos órgãos do Executivo, da mesma maneira como os ATI são descentralizados hoje e sem controle efetivo e gestão oportuna do Ministério da Economia. Caberá então ao ATI fazer a gestão dessas pessoas, treinar, capacitar, orientar, coordenar e gerenciar esses temporários. Mas você deve ser perguntar: esse mesmo impacto não seria desprendido para servidores efetivos? A resposta é SIM. Mas, o ponto é que a expectativa do custo para esforço seria bem menor, considerando que, a princípio, o servidor efetivo permanecerá por longo período na administração e retornará o custo da curva de conhecimento ao longo dos anos que esse servidor permanecer no serviço público.
  • A constitucionalidade do ATO é mais um risco pontuado pela ANATI. A Constituição determina (art. 37, II) que a via ideal para admissão de servidores públicos é o concurso público para exercício pelo regime estatutário. Esta é a via adequada a atender aos princípios da impessoalidade, eficiência e continuidade do serviço público. A admissão de temporários deve se restringir ao excepcional interesse público, limitado no tempo ou no escopo, por necessidade também temporária. Quando o governo autoriza a contratação de temporários para uma necessidade contínua - política de estado - exercida por uma carreira com cargos vagos - o que também evidencia a necessidade contínua - esta abusando da prerrogativa constitucional.

Face aos diferentes motivos apresentados acima, a ANATI, associação integrada à Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado - CONACATE, tomou as medidas administrativas cabíveis junto ao Tribunal de Contas da União e apresentou a situação que vem se desenhando à Deputados e Senadores de interesse no tema da transformação digital. Foi protocolada uma solicitação de informação (Solicitação de informação (SIT 4/2020) e Requerimento de Informação (RIC 906/2020) pela Câmara dos Deputados.

Essas ações repercutiram na impressa do Brasil e nas redes sociais da ANATI, veja:

Cabe ressaltar que a ANATI não é contra o concurso de temporários, ela se posiciona contrária à maneira que vem sendo organizada e pensada pelo Ministério da Economia e a Secretaria de Governo Digital. Frisa portanto, que é preciso fortalecer a base do governo em TIC, e os profissionais que sustentam essa base, com uma carreira estruturada, com políticas de gratificação e atendendo:

  • às recomendações do TCU, observando o Egrégio Tribunal de Contas da União não só tem se manifestado no sentido de recomendara criação da carreira específica de ATI, visando reduzir a elevada taxa de evasão dos ocupantes do cargo de ATI (cf. Acórdão 2471/2008, Acórdão 2308/2010, Acórdão n. 1.200/2014-TCU-Plenário e cf. Acórdão 2326/2017, Acórdão n. 2.789/2019-TCU).
  • o posicionamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, na sua publicação “Digital Government Review of Brasil - 2018” que avaliou a capacidade de transformação digital do setor público brasileiro, deixando claro: “No Brasil existe um cargo público específico para profissionais de TI dentro do governo federal chamado Analista em Tecnologia da Informação focado nas atividades de Planejamento, Supervisão, Coordenação e Controle dos recursos de Tecnologia da Informação relativos ao funcionamento da Administração Pública Federal. Através de evidências reunidas para esta revisão e dos resultados da Pesquisa de Governo Digital do Brasil, a compensação oferecida por essa carreira dificulta a retenção destes profissionais. (...) Dado que outras carreiras comparáveis no setor público têm melhor remuneração, há alta rotatividade.”. (Tradução livre). Ainda nessa publicação a OCDE destacou, dentre as principais recomendações ao Governo Brasileiro que considere: “Criar condições para aumentar a retenção e remuneração dos membros da carreira de Analistas em Tecnologia da Informação.”)
  • A ONU (Organização das Nações Unidas) em 2020 informou que o Brasil precisa investir em infraestrutura e capital humano quando se trata de serviços digitais.

Reflita juntamente com a ANATI. Por mais de uma década o TCU, instituição reconhecida internacionalmente pela integridade de suas ações, orientou o Ministério da Economia a fortalecer essa carreira, criar mecanismos para reter esse capital intelectual crucial no gerenciamento de recursos TIC da Administração Pública Federal. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2018 na mesma linha do TCU, também orientou ao Ministério sobre a evasão de quase 50% do cargo e que o mesmo trabalhasse para reter esse servidor com políticas de remuneração compatíveis com alguns cargos de gestão do próprio governo. A ONU foi na mesma linha em 2020. Reflita, será que o TCU errou por cinco vezes em seus cinco acórdãos? Será que a OCDE em 2018 também errou? Seria possível com o grande momento que a TIC fez a diferença na vida das pessoas, tanto nas relações pessoais como profissionais, devido a uma pandemia global inimaginável e de impacto direto na vida de todos nós, a ONU continuou o erro, solicitando que se valorize a tecnologia e as pessoas? Seria possível que somente o ME, estivesse com a razão para não organizar o cargo de ATI, para não gerar um “direito” à outras carreiras já estruturadas? Será que somente a ANATI está certa, em solicitar o justo e o dito, por tantas instituições, durante, quase 10 anos?

O que precisa ficar claro é que a ANATI defende que os ATIS, possam continuar entregando resultados à sociedade e para a continuidade das entregas e resultados referentes aos serviços públicos estratégicos e contínuos que impactam tão severamente no orçamento público e na vida do cidadão sejam executados por esses servidores efetivos e por essa carreira que já tem a experiência em TI para entregar valor à sociedade. O fato é que hoje o efetivo é insuficiente diante das demandas, seria necessário no mínimo 2000 ATIS. A ANATI reforça que, frente à evasão do cargo de ATI e com a grande demanda por transformação dos serviços digitais, retomada da economia, a opção mais assertiva, efetiva e econômica para resolução do problema é estruturação da carreira com uma remuneração compatível com as atribuições, complexidade do cargo e com a iniciativa privada, realizar um concurso público para o cargo de ATI, valorizar e dar reconhecimento para reter esses profissionais que já exercem suas atribuições com zelo e dedicação nesse cargo há pelo menos 10 anos no Governo Federal.